terça-feira, fevereiro 10, 2009

Assembléia Nação Indígena Guarani/RGS São Gabriel/2009

Encontro Sepé Tiaraju
Assembléia Regional do Povo Indígena Guarani
São Gabriel- Rio Grande do Sul- BRA
5, 6 e 7 de Fevereiro de 2009.
A todos os povos do mundo!

No último dia 7 de Fevereiro de 2009, cumpriu-se 253 anos da morte de Sepé Tiaraju e do massacre de Caiboaté, em que os exércitos da Espanha e Portugal mataram 1500 guerreiros para ocupar o território da antiga República Guarani. Há 253 anos o Povo Guarani vem resistindo e, há pouco mais de três décadas, intensificamos nossa luta para reivindicar os espaços territoriais que nos foram tirados e sobre os quais se construíram as cidades, derrubando as florestas, poluindo as terras e águas dos rios.
Durante 3 dias, estivemos em São Gabriel , no local em que tombou Sepé Tiaraju, nos reunimos mais uma vez, caciques, Karai, Kuña Karai e demais lideranças, homens, mulheres e crianças Guarani, descendentes dos guerreiros de Sepé Tiaraju, para conversar, nos aconselharmos e avaliar nossa situação. Ouvindo as palavras vindas de aldeias dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, preocupamo-nos com o futuro e concluímos: sem a garantia de nossas terras, não há como vivermos a cultura, e nossa vida Guarani está ameaçada.
Sentimos em denunciar que quem deveria ser nosso maior aliado, o órgão criado para trabalhar exclusivamente com os Povos Indígenas do Brasil, a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, não está cumprindo com seu papel e vem demonstrando medo em regularizar nossas terras. Nossas comunidades relataram as tristezas e sofrimentos que passam pela demora nos encaminhamentos e soluções dos problemas, pela burocracia e falta de vontade do governo em dar uma solução para essa situação. Assim, solicitamos mais agilidade e coragem na criação dos Grupos de Trabalhos e para realizar os levantamentos antropológicos nas nossas terras que hoje estão ocupadas por fazendas, enquanto nós, que possuímos o direito de viver em nossas terras, estamos há anos em beira de rodovias, correndo perigo todos os dias, sujeitos à expulsão de nossas casas. Isso já ocorreu diversas vezes e, como exemplo, relatamos o que aconteceu em Arroio do Conde, Eldorado do Sul, RS, em julho de 2008, quando algumas famílias foram expulsas do acampamento em que viviam e tiveram suas casas destruídas pela Brigada Militar. Vale ressaltar que a ação policial foi motivada por uma decisão de reintegração de posse, mas as referidas famílias não ocupavam nenhuma propriedade particular, elas estavam às margens da estrada, em espaço público. A nossa comunidade do Lami, na grande Porto Alegre, também receia em sofrer o mesmo e pede agilidade da FUNAI no procedimento de identificação e demarcação da terra.
Idêntica realidade de descaso e abandono ocorre nas terras de Petim, Passo Grande, Coxilha da Cruz, Estiva, Capivari, Lomba do Pinheiro, na grande Porto Alegre, RS, que também aguardam os GTs de identificação e demarcação, o que já deveria ter iniciado em 2008.
Em Yrapuã, Caçapava do Sul, RS, já ocorreu o estudo antropológico e este foi concluído há anos, no entanto a nossa comunidade está ainda à beira da estrada esperando por uma definição da Funai a fim de que possam entrar na terra, mas o processo ficou estacionado no órgão indigenista. Na terra indígena Pacheca, Camaquã, há conflito com não-índios que têm desrespeitado os limites da área indígena, já demarcada e regularizada, e colocam no seu interior o gado que destrói as plantações da nossa comunidade. Apesar de já termos denunciado por três vezes, não houve intervenção do órgão indigenista para coibir as invasões. A terra de Cantagalo, situada em Viamão, já foi homologada e mesmo assim permanece indefinida, pois a Funai não realizou o pagamento das benfeitorias de boa fé e nem a retirada dos não-índios, que nos dizem que só podem deixar nossa terra quando receberem o referido pagamento por não terem outra fonte de sobrevivência. Também a nossa comunidade da Terra Indígena Mato Preto, em Getúlio Vargas , enfrenta a morosidade na publicação do estudo antropológico que comprova a ocupação tradicional Guarani na região.
Em Santa Catarina presenciamos também o descaso da Funai com relação a conclusão do procedimento de demarcação da Terra Indígena Araça’i, cuja retomada ocorreu em 1998, mas as famílias foram retiradas da área. O procedimento de demarcação desta área, iniciado em 2000, sofreu paralisação através de ação judicial, revogado posteriormente por ser improcedente. Famílias desta nossa comunidade ainda estão espalhadas em outras aldeias aguardando que a FUNAI inicie o levantamento fundiário para proceder a indenização dos não-índios, o que vem demorando e causando tensão entre agricultores da região. Ressaltamos que é a mesma situação ocorre na Terra do Morro dos Cavalos, que foi demarcada em abril de 2008, e ainda espera pela continuidade do processo de retirada das famílias dos não-índios. As nossas terras Guarani, no norte do estado de Santa Catarina, tiveram o procedimento demarcatório iniciado, no entanto estão sofrendo pressão em função de obras de duplicação de rodovias, ferrovias e construção de portos planejados exatamente nas regiões que afetam as nossas áreas e, por isso, nossas comunidades pedem mais atenção dos órgãos responsáveis.
No estado do Paraná as nossas comunidades tiveram suas aldeias alagadas, com a instalação da hidrelétrica de Itaipu. Na ocasião muitas famílias tiveram que migrar para outras terras e retornaram depois, vivendo hoje à beira da represa, a espera de resoluções. Nos municípios de São Miguel do Iguaçu e de Santa Helena Velha as nossas comunidades ocupam pequenos acampamentos, sofrem com falta de espaço para o plantio, sem atendimento à saúde e sem fontes de alimentação aguardam pela FUNAI para que realize o reassentamento das nossas famílias. Da mesma forma, vivem as nossas comunidades de Guaíra e Terra Roxa, que esperam regularização das áreas que, a cada dia, perdem espaços territoriais em função da expansão das cidades.
Denunciamos também a situação das inúmeras famílias atingidas pela Duplicação da BR 101 em SC e RS, que sofrem com a morosidade na implementação do Programa de Apoio as Comunidades Indígenas Guarani – PACIG. Exemplo disso são as áreas de Varzinha, Riozinho e Campo Molhado, RS, que ainda não receberam nenhum apoio. Alertamos que isso não pode se repetir com a duplicação da BR 116, RS, que vem sendo planejada sem nenhum processo de discussão.
Pedimos apoio da sociedade civil e mais empenho dos órgãos responsáveis para a resolução de nossos problemas. Já não há mais tempo para esperas. Enfrentamos o medo todos os dias nas aldeias, pois quando denunciamos os não-índios, que invadem as terras, ou que as ocupam, nós sofremos perseguições e corremos o risco de sermos presos ou expulsos de nossas áreas, mas quando são os brancos que nos arrancam das terras, nos humilham ou nos discriminam, a lei não é cumprida, e sabemos que nada lhes acontece.
“Essa Terra tem dono!” Esse grito foi dado por Sepé Tiaraju em 7 de Fevereiro de 1756, e continua sendo ecoado por nós, o Povo Indígena Guarani e nossas organizações. E assim será, até que nossos direitos sejam respeitados, mantendo a esperança de que um dia, ao invés do grito, possamos voltar a entoar canções.
São Gabriel, 7 de Fevereiro de 2009.

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